Terça-feira, 22 de Setembro de 2009

As Comunidades Piscatórias dos Avieiros dos rios Tejo e Sado.(III)

 

 

 
 
 
"O I CONGRESSO DO TEJO. QUE TEJO, QUE FUTURO?
-Impressões e Reflexões
 
 
Por: Carlos Lopes Bento *
 
Teve lugar em Lisboa e na Fundação Gulbenkian, nos dias 1, 2 e 3 de Outubro p. p., o I Congresso do Tejo, da responsabilidade da Associação dos Amigos do Tejo, de que tomei parte.
Pela quantidade e, especialmente, pela qualidade das comunicações recebidas parece terem sido alcançados os objectivos propostos pela mesma Associação, embora a metodologia dos trabalhos não fosse a mais funcional e cientificamente adequada.
Durante dois dias (o 3º destinou-se ao contacto com o Tejo, de Lisboa a Vila Franca de Xira servindo de transporte um cacilheiro) foram apresentados em plenário, ainda que apressadamente, aspectos resumidos das muitas dezenas de comunicações que a Comissão Coordenadora respectiva entendeu distribuir por três grandes grupos temáticos:
 
1 - Património Histórico-Cultural.
2 - Desenvolvimento Económico, com os subtemas: Energia, Indústria e Transportes, Agricultura, Turismo e Lazer, e Pesca e Aquicultura.
3 - Ambiente, com os subtemas: Educação Ambiental na Formação dos Cidadãos, Protecção da Natureza e Gestão de Recursos, e Poluição.
 
Professores dos vários níveis de ensino, quer oficial quer privado, investigadores de centros oficiais, directores de serviços, técnicos superiores, autarcas e outros estudiosos interessados pelos problemas que afectam o Tejo, trouxeram análises, quase todas elas apoiadas em dados resultantes da sua participação em projectos de investigação comparticipados por organismos estatais, autarquias locais ou outras organizações (nacionais e estrangeiras).
Os trabalhos presentes incidiram, especialmente, sobre as seguintes dimensões do Homem:
- pré-histórica e histórica ecológica
-económica (aspectos)
-geográfica
-educacional
- ...
No entanto, bem poucos foram os Congressistas que se debruçaram sobre as dimensões sociológica, antropológica e psicológica do Homem actual que vive e trabalha, com alegria ou com tristeza, na vastíssima bacia hidrográfica do Tejo, as grandes responsáveis (e aquele a principal vítima ) pelas disfunções sociais e pela maioria dos problemas debatidos e relacionados com o desenvolvimento económico e com a conservação do ambiente.
Mereceu algum relevo o problema da educação ambiental na formação dos cidadãos, sendo adiantada a necessidade de mudar os seus valores, normas e atitudes em relação ao quadro natural que lhe serve de suporte, mudança que, necessariamente, deveria passar pela educação dos jovens e por uma educação permanente das populações.
Mas para mudar tais valores, normas e atitudes é necessário conhece-los e indagar sobre o inter-relacionamento da personalidade, da cultura e da sociedade, e da sua responsabilidade na origem de muitos desvios e disfunções sociais que estão na base dos variados problemas que actualmente afectam os seres humanos, cujas realidades pertencem aos objectos da psicologia, antropologia e sociologia, disciplinas e seus cultores que, salvo raras e honrosas excepções, foram os grandes ausentes deste 1 Congresso do Tejo. O facto é de estranhar quando em Portugal, o mercado de trabalho está inundado com milhares de especialistas daquelas áreas científicas, especialmente, de licenciados em sociologia e antropologia, uma grande parte no desemprego ou a leccionar no ensino preparatório e secundário disciplinas, como o português, por não terem habilitação própria para ministrar matérias da sua especialidade.
A falta de estudos sistemáticos sobre a realidade sociocultural portuguesa actual, quer em relação ás populações da bacia do Tejo, quer no que respeita ao resto do território nacional, deve-se, no meu entender, a múltiplos factores, entre os quais destacarei:
 
-Serem recentes em Portugal os cursos universitários voltados para o ensino da antropologia cultural, social ou etnologia, da sociologia e da psicologia e como resultado de serem pouco conhecidos os currículos, objectivos e funções das novas licenciaturas.
-A dificuldade de aceitação dos novos cursos pelos cursos de áreas científicas próximas, há muito implantados, cujos licenciados se vêem ameaçados nos direitos e invadidos no que consideram a sua "propriedade privada exclusiva".
-Muitos sectores da sociedade portuguesa terem uma imagem distorcida da sociologia, que ligam ao socialismo radical, à assistência social, e da antropologia que relacionam com as ciências ocultas e medições de esqueletos humanos.
-Os responsáveis por determinados grupos de interesses (políticos, organizacionais,...) da sociedade portuguesa, continuarem a recear os resultados dos estudos sócio-antropológicos e a tomar decisões, em relação aos múltiplos problemas, com base no conhecimento do senso comum ou na via profissionalizante, incentivando e financiando apenas os projectos de I&D que reforcem e nunca ponham em discussão e em perigo o seu poder, posição ou privilégio.
-Continuar a não se entender, no País, que o desenvolvimento sócio-económico, indissociável dos conceitos de evolução social, mudança e crescimento, deve ser percebido como uma decisão humana e uma realidade social que deve centrar-se na figura do Homem, seu agente e beneficiário, e nos seus valores, objectivos, sentimentos e emoções. Constitui um problema que todos os cidadãos têm de compreender e em cuja solução devem participar, e deve ser imaginado como um sistema sociocultural que é função da dinâmica das variáveis económicas, de aperfeiçoamento intelectual, políticas, psicológicas, culturais, ecológicas, biológicas,. ... .
 
Acesa discussão gerou-se em volta dos tapa-esteiros, há muito interditos, utilizados pelos pescadores do Barreiro, para uns uma necessidade que tem a ver com a sobrevivência daquele grupo socioprofissional, para outros uma proibição definitiva que está ligada à sobrevivência de muitas espécies do estuário do Tejo.
Estamos perante uma situação pautada por diferentes quadros de referência que seria necessário, multidisciplinarmente, conhecer de maneira sistemática (enunciar a questão, colectar a evidência e daí tirar conclusões ainda que surpreendentes e indesejáveis), sendo esta forma de conhecimento importante para a área da política social - maneira sistemática de dar resposta aos problemas - e uma via de acesso para caracterizar e resolver tais problemas.
Tanto esta situação, como a natureza temática das comunicações presentes a este I Congresso sobre o Tejo, são bem demonstrativas que os detentores do poder, todos aqueles que tomam decisões, informam, formulam e executam as diferentes políticas sociais, continuam a basear-se no conhecimento do senso comum ou no conhecimento dos que dominam determinada área do saber, descurando o método científico como via distinta para o estudo dos vários problemas sociais que afectam os diferentes estratos socioprofissionais da sociedade.
Continua, deliberadamente, a ignorar-se o papel social da pesquisa social e a sua influência na formação e na implementação das políticas sociais e a tentar ou a procurar desconhecer-se as novas tendências que se desenham nos países mais industrializados relativamente à investigação socioantrológica com incidência nas mesmas políticas sociais.
Apesar deste comportamento, penso que, entre nós os detentores do poder( central e local ) não poderão continuar, por muito mais tempo, a ignorar e a não considerar os valores, atitudes, normas, formas de organização social das populações que administram e afirmam desejar melhorar a sua qualidade de vida.
Esta melhoria da qualidade de vida persistirá como utópica enquanto não for dado relevo, no meio social, características sócio-culturais e psicológicas das populações interessadas e não se conseguir a sua aceitação activa na participação, elaboração e execução de qualquer programa de desenvolvimento sociocultural e económico.
Os responsáveis pelo bem-estar das populações, sob pena de continuarem a esbanjar bens e serviços que de direito são da colectividade, de uma vez por todas, deverão saber que existem métodos socioeconómicos de desenvolvimento, cujos fundamentos e princípios lhes permitirão, em associação com populações locais, transformar a sua estrutura sociocultural, e adaptar os seus membros a novas formas de organização social e de vida.
É tempo de mudar as mentalidades quer dos governantes quer dos governados. É uma exigência dos interesses do bem público e das gerações vindouras.
 
MONTE DE CAPARICA, 1987/10/5
Docente Universitário"
 
Publicado no Jornal de Abrantes de 23.10.1987, p. 1-6 e de 20.11.1987, p. 1-6.

 

publicado por casaspretas às 19:23
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